quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

ACARAJÉ É FONTE DE RENDA E AUXÍLIO DE ESTUDO: DA TRADIÇÃO FAMILIAR A INSERÇÃO NA UNIVERSIDADE


A cidade de Cachoeira é bastante conhecida por sua identidade cultural e histórica e sua arquitetura barroca com suas igrejas que fazem da cidade um dos principais roteiros turísticos do estado. Por se tratar de uma região onde a presença dos africanos era muito grande em decorrência do período escravista, desenvolveu-se no município uma enorme diversidade de cultura popular. Essa diversidade se encontra mais presente no sincretismo religioso e também na culinária. Um exemplo disso é a banca de Dona Matilde, o mais antigo ponto de venda de acarajé de Cachoeira, existente há 62 anos, tradição familiar passada para filhos e sobrinhos que deram continuidade ao trabalho.
 
Zezé é uma das sobrinhas de Dona Matilde. Com 52 anos de idade, ela já trabalha na banca de acarajé há aproximadamente 22 anos, tem três filhos com idades entre 25 e 28 anos, sendo todos estes casados. ”O ponto existe há 62 anos, mas eu estou aqui 22 anos quem começou o ponto foi minha tia, o nome dela era Matilde. Se você perguntasse quem era Matilde do Acarajé todo mundo sabia quem era” diz Zezé.
 
Luzivalda, prima de Zezé, é considerada a responsável pelo ponto na ausência da tia já falecida, mas cada um desempenha uma função específica dentro da produção do acarajé “Cada um tem uma função, eu venho fritar, faço o abará, mas quem faz a massa do acarajé é meu primo, que pega no mais pesado”.
 
Acarajé: fonte de subsistência


 
Dessa iguaria tipicamente baiana Zezé disse que sustenta três famílias somente com a renda oriunda da venda do acarajé. Outro fato também exposto por ela é que seus filhos foram todos criados e seus estudos foram mantidos através desse trabalho, ou seja, a venda do acarajé possibilitou não só o sustento físico deles, mas também auxiliou o ingresso na vida acadêmica.
 
“Não temos outra renda, só com a renda do acarajé sustentamos praticamente três famílias, nos empenhamos a fazer isso, eu criei meus filhos, já fizeram faculdade estão trabalhando e tudo com o acarajé. Até porque não dava pra fazer o acarajé e trabalhar em outro lugar, aí a gente se dedicou a isso mesmo”, afirma.
 
Em conversa, Zezé explica como aprendeu a fazer o acarajé. Tudo se deu com a sua tia Matilde que nas suas palavras era uma mulher simples moradora da zona rural. Devido à época em que Dona Matilde vivia, o acarajé era feito na pedra “Hoje tudo é a motor, mas antes era na pedra, daí passou pro moinho e hoje já faz por eletricidade” conta ela com certa euforia.
 
Construindo um futuro
 
Quando perguntada se a sua família (sobrinhos, filhos) pretende estudar na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) ela disse que sim. Tanto que um sobrinho seu cursa História no Centro de Artes Humanidades e Letras (CAHL) e o seu filho também é formado pela mesma instituição, sendo que este cursou Ciências Contábeis na sede da universidade em de Cruz das Almas.
 
Ela ainda conta que como muitas meninas de sua época, começou a trabalhar muito cedo para ajudar no sustento de casa “Comecei a trabalhar com a acarajé bem mocinha, desde pequena eu já ajudava a catar feijão porque antigamente a gente comprava ele inteiro e depois triturava.”
 
Assim umas das comidas típicas da Bahia mais conhecida e apreciada em nosso país, o acarajé serve não só para enriquecer o paladar dos baianos e turistas, mas também como fonte de renda capaz de modificar a vida de toda uma família, trazendo o ensino superior para uma realidade mais próxima, fazendo assim quem sabe, com que as desigualdades de classe, renda e etnia se tornem mais estáveis entre os cidadãos brasileiros.
 
“Gosto de trabalhar com acarajé, é como minha tia dizia: ‘Se você não fizer uma coisa com amor não adianta’. Eu tô aqui todos os dias, que chova ou que faça sol. Isso era uma coisa que ela mais dizia pra gente. Eu procuro fazer com carinho, com higiene, com amor, com dedicação. Até hoje eu sou viciada em comer acarajé e todo mundo me pergunta ‘Não enjoa, não?’ E tem como enjoar?”   
 
    Sheila Barretto e Thaise Brito

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